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O ITCMD sobre distribuição desproporcional de dividendos na Reforma Tributária

O ITCMD sobre distribuição desproporcional de dividendos na Reforma Tributária

Proposta aprovada pela Câmara dos Deputados fala sobre a incidência do ITCMD na distribuição de lucros realizada de maneira desproporcional ao capital social, prática comum em sociedades limitada

Sergio Luiz Beggiato Junior

Um dos temas que têm gerado mais apreensão entre empreendedores brasileiros é a Reforma Tributária, cuja primeira fase foi aprovada pelo Congresso Nacional em 2023.

E, no início de junho de 2024, foi apresentado o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 108/2024, a fim de regulamentar o Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (o chamado IBS, que substituirá o ICMS e o ISS), bem como de trazer as novas regras para o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens e Direitos, o ITCMD.

O PLP foi aprovado pela Câmara dos Deputados no início de agosto, com algumas propostas que devem ser objeto de preocupação e planejamento por parte das empresas.

Uma dessas propostas diz respeito à incidência do ITCMD na distribuição de lucros realizada de maneira desproporcional ao capital social, uma prática muito comum em sociedades limitadas.

Atualmente, o Código Civil autoriza que, em sociedades limitadas, o Contrato Social ou os sócios decidam que a distribuição de dividendos não seguirá a proporção que cada sócio detém no capital social da empresa. Essa prática é bastante utilizada em empresas em que nem todos os sócios prestam serviços para a organização, a fim de otimizar a tributação sobre a companhia e os quotistas.

O tema, aliás, já foi objeto de análise de autoridades fazendárias. Em 2020, por exemplo, a Secretaria do Estado da Fazenda de São Paulo forneceu resposta à Consulta Tributária nº 20952M1/2019, apresentando o seguinte entendimento:

“ITCMD – Distribuição desproporcional de lucros em relação ao percentual de quotas do capital social da sociedade limitada que cada um dos sócios possui – MODIFICAÇÃO DE RESPOSTA.

  1. O artigo 1.007 do Código Civil possibilita aos sócios definirem outra forma de participação nos resultados da sociedade limitada que não a proporcional ao percentual de quotas do capital que cada um detenha.
  2. O instituto da distribuição desproporcional de lucros não se confunde com doação, na medida em que não há ânimo de liberalidade na transferência patrimonial. Sendo regular a distribuição desproporcional de lucros, ela estará devidamente justificada em razões de cunho negocial.

III. A regular distribuição desproporcional de lucros não enseja a incidência do imposto sobre transmissão por doação”

Porém, o texto do PLP nº 108/2024 traz uma nova regra com potencial para aumentar a litigiosidade tributária, ao equiparar com doações “os atos societários que resultem em benefícios desproporcionais para sócio ou acionista praticados por liberalidade e sem justificativa negocial passível de comprovação, incluindo distribuição desproporcional de dividendos, cisão desproporcional e aumento ou redução de capital a preços diferenciados” (art. 160, § 5º, inciso I, do PLP nº 108/2024), quando realizados entre “pessoas vinculadas” (entendidas como a pessoa física que for cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, até o terceiro grau, de outra pessoa física; a pessoa jurídica cujos diretores ou administradores forem cônjuges, companheiros ou parentes, consanguíneos ou afins, até o terceiro grau, de pessoa física; ou a pessoa jurídica da qual pessoa física for sócia, titular ou cotista).

A proposta traz um novo elemento de insegurança ao ambiente de negócios brasileiro, estabelecendo uma presunção de que a distribuição desproporcional de lucros deva ser encarada como ato de liberalidade, tributável – e cabendo ao empreendedor fazer prova em contrário depois de ver o imposto cobrado ou de ver instaurado processo administrativo fiscal.

Deve-se notar, ainda, que a regra de que o imposto incidirá nas transferências “entre pessoas vinculadas” trará um impacto significativo para as empresas familiares – que, segundo o IBGE, representam 90% das empresas brasileiras e são responsáveis por 65% do PIB nacional e por 75% dos empregos gerados em nosso país (https://sejarelevante.fdc.org.br/empresas-familiares-sao-protagonistas-na-economia/).

Nesse momento, é importante que empresas e empreendedores acompanhem o trâmite do PLP no Congresso Nacional, desde logo aprimorando suas práticas de governança corporativa e rotinas societárias para se prevenir de eventuais autuações sobre o tema, com a adequação dos Contratos Sociais e Acordos de Sócios, bem como a formalização e registro das deliberações perante a Junta Comercial. Também é importante a guarda dos documentos comprobatórios das deliberações, a fim de amparar eventuais disputas administrativas e judiciais sobre o tema.

Sergio Luiz Beggiato Junior é advogado no escritório Rücker Curi – Advocacia e Consultoria Jurídica.