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CAF pronto para funcionar em agosto

CAF pronto para funcionar em agosto

O modelo brasileiro tem duas originalidades: a participação exclusivamente de membros independentes e a aplicação por adesão voluntária.

Autor: Graziella ValentiFonte: Valor Econômico

O Comitê de Aquisições e Fusões (CAF), a versão brasileira do ambiente de autorregulação para operações societárias inspirada no 'Takeover Panel' inglês, começa a funcionar no mês que vem.

As instituições que criaram o órgão - BM&FBovespa, Associação das Entidades Brasileiras dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec) - anunciam hoje o seu funcionamento. Na prática, significa que os onze membros já nomeados do CAF estarão prontos para avaliar transações levadas até eles.

O modelo brasileiro tem duas originalidades: a participação exclusivamente de membros independentes e a aplicação por adesão voluntária. Em Londres, não há como atuar na City sem passar suas transações pelo Panel, o modelo inspirador.

Além da Inglaterra, Austrália, Nova Zelândia e mais recentemente África do Sul adotaram um comitê desse tipo. O Brasil é o único dentre eles cujo modelo jurídico é o direito romano-germânico, baseado na escrita. Em todos os demais em que um "takeover panel" foi criado, o direito é de origem anglo-saxã, calcado nos costumes.

O CAF chega num momento de baixa no universo das fusões e aquisições, após quase quatro anos de estudos e debates desde que a ideia foi lançada pela primeira vez, em 2009, pela então presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Maria Helena Santana.

O Brasil vive uma ressaca de anos de consolidação de setores. Irrigadas pelo dinheiro novo que veio de um mercado de capitais pujante e munidas de otimismo, empresas dos mais variados setores passaram os últimos seis anos fazendo compras. Muitas ainda estão digerindo essas aquisições. Além disso, as instabilidades recentes trouxeram uma dúvida extra sobre o ambiente corporativo, afetando a confiança das companhias no futuro.

Por conta disso, o CAF provavelmente ainda terá de esperar um tempo até ter sua estreia. Ainda assim, João Nogueira Batista, diretor executivo do órgão, acredita que até o fim deste ano pelo menos seis companhias devem aderir. A própria BM&FBovespa deve ser a primeira a aderir ao ambiente.

O poder do CAF é o de aplicar uma censura restrita a uma transação, dirigida apenas à parte que fez a consulta, uma censura pública, expondo a operação e as companhias envolvidas, e até mesmo a retirada do selo.

O comitê funcionará por adesão voluntária. As companhias podem ser adeptas constantes, com a previsão inclusive em seu estatuto social, ou podem usar o órgão para uma transação específica. A adesão para grandes empresas será de R$ 60 mil, com anuidade de R$ 30 mil. A consulta prévia de transações custará R$ 300 mil para associados e o lançamento das operações, entre R$ 500 mil e R$ 1 milhão. Para não associados, os valores serão o dobro.

O jurista Nelson Eizirik, que coordenou as primeiras pesquisas solicitadas pela bolsa, será o presidente do grupo de avaliadores, que terá ainda outros dez membros: Alexsandro Broedel, Celso Clemente Giacometti, Erasmo Valadão, Jaime Leôncio Singer, José Alexandre Tavares Guerreiro, José Luiz Osório, Luiz Orenstein, Luiz Spínola, Milton Amilcar Vargas e Reginaldo Ferreira Alexandre.

Cada membro participante do CAF tem mandato de dois anos, renováveis por mais dois. Porém, a cada ano, pelo menos cinco ou seis membros terão de ser trocados - exceto nos dois anos iniciais.

Eizirik acaba de voltar de uma viagem internacional que contou com uma passagem por Londres, onde falou sobre o comitê brasileiro com os pares locais. Os participantes do órgão londrino estão curiosos a respeito da experiência brasileira, por conta das peculiaridades.

O comitê foi feito seguindo os preceitos do "Takeover Panel" inglês, cuja ideia é que as transações sigam princípios básicos. O objetivo é, conforme o próprio regulamento, "assegurar a observância de condições equitativas" nas transações entre companhias - desde que ao menos uma seja aberta - e nas ofertas de compra de ações.

A ideia é que os membros do CAF, que formam uma espécie de corpo arbitral, prezem acima de tudo pela equidade das transações. Não por acaso foi feito um convênio com a CVM. Desde julho de 2012, a autarquia já aprovou que as operações submetidas ao comitê tenham legitimidade presumida.

"As regras não são redigidas de forma excessivamente técnica a fim de que (...) seja possível interpretá-las substancialmente", diz a redação do documento. Assim, os participantes serão livre para conceder exceções às regras quando isso garantir o atendimento do princípio da equidade.

Estão contempladas nas regras do CAF, além das costumeiramente polêmicas incorporações, os diversos tipos de oferta: para cancelamento de registro de companhia aberta; por aumento de participação do acionista controlador; por alienação de controle; por exigência de estatuto de empresa; as voluntárias; para aquisição de controle; e a não existente na legislação brasileira, "por atingimento de participação".

Esta última é a mais polêmica de todas, ao mesmo por ser nova em sua previsão no Brasil e também por ter sido tão clamada por investidores no passado recente. Isso porque a Lei das Sociedades por Ações prevê oferta ao mercado quando da venda do controle, e não da compra.

Inclusão de cláusula bastante semelhante constou da proposta de revisão das regras do Novo Mercado da BM&FBovespa, mas foi rejeitada pelas companhias.

A discordância a respeito das condições dessa oferta também foi o motivo da saída da Associação Brasileira de Companhias Abertas (Abrasca) do grupo criador do CAF.

A nova regra no ambiente brasileiro prevê que o investidor ou grupo reunido que alcançar fatia de 20% a 30% no capital (conforme a escolha da empresa) terá de fazer uma oferta de compra a todos os demais acionistas - no caso das empresas de capital pulverizado. A inspiração aqui também vem da prática na Europa.

Quando a companhia já tiver um acionista com esse percentual ao aderir ao CAF, a oferta será obrigatória apenas se a fatia subir para 50%.

Eizirik comentou que nessa recente viagem à Londres houve muito debate sobre como identificar e qualificar a atuação conjunta de investidores para aplicação dessa regra. "Isso não é uma preocupação só nossa [no Brasil]."

Ficou definido, após idas e vindas, que as companhias que aderirem ao CAF não poderão ter as chamadas pílulas de veneno em seus estatutos - mecanismos de proteção a ofertas hostis. As empresas que já possuem a regra em seus regulamentos e quiserem aderir ao comitê terão de tirá-la. O motivo é evitar confronto justamente com a norma da oferta por atingimento de participação.

Já para lidar com as polêmicas incorporações, o CAF prevê que os acionistas incorporados podem pedir novas avaliações e laudos para seus papéis - além de contarem com o princípio da equidade que permeia a existência do comitê.

Na avaliação de Eizirik, o CAF representa um avanço institucional importante para o mercado de capitais brasileiro pela certeza de que as operações serão avaliadas pelo princípio do tratamento igualitário e com celeridade.

A oferta por atingimento de participação é o principal ponto do regulamento que - a despeito de agradar investidores - pode gerar resistência inicial de adesão, tanto por parte das companhias como dos assessores financeiros. Assim como o Novo Mercado enfrentou alguma resistência e levou quatro anos para deslanchar. Nogueira Batista acredita, contudo, que o ambiente brasileiro de negócios está mais maduro e que a evolução do CAF será mais rápida.