JT considera inválidas cláusulas de sigilo e não concorrência que afetam a liberdade de trabalho
Por 17 anos, a reclamante prestou serviços para a empresa, que tem um método próprio e bastante conhecido para redução e controle de peso.
Com base no voto da juíza convocada Maria Cecília Alves Pinto, a 4ª Turma do TRT-MG manteve a sentença que considerou inconstitucional e, consequentemente, inválidas as cláusulas de sigilo e não concorrência inseridas no contrato de trabalho mantido entre uma trabalhadora e a empresa Vigilantes do Peso.
Por 17 anos, a reclamante prestou serviços para a empresa, que tem um método próprio e bastante conhecido para redução e controle de peso. Ao sair, ajuizou reclamação trabalhista insurgindo-se contra cláusulas do contrato de trabalho. Segundo ela, estas lhe impuseram limitação à liberdade de contratar, como o livre exercício de qualquer trabalho e liberdade econômica. Ao analisar o caso, o juiz de 1º Grau lhe deu razão, sendo o entendimento confirmado pela Turma de Julgadores, em grau de recurso.
A ré sustentou que a reclamante pediu demissão e abriu seu próprio negócio, utilizando-se de técnicas e "know how", bem como materiais de propriedade intelectual da empresa. O problema, segundo ela, é que os programas desenvolvidos e as técnicas aplicadas seriam protegidos por Direito Autoral, não podendo ser utilizados sem autorização expressa. A empresa alegou que as cláusulas contratuais são válidas, considerando-se a livre estipulação contratual e as limitações temporais e territoriais às restrições constantes nas cláusulas. Conforme argumentou, entendimento contrário estimularia a reclamante ao cometimento de um crime.
Mas a relatora não se rendeu às justificativas apresentadas. Ao proferir a decisão, ela reconheceu que o pacto de sigilo e não concorrência assegura que as informações e dados confidenciais acessados pela empregada durante o contrato sejam preservados. Para julgadora, deveres de sigilo e não-concorrência estão ínsitos no próprio contrato de trabalho, sobretudo diante do princípio da boa-fé que deve nortear a relação de emprego. Nesse contexto, a possibilidade de que a cláusula de não-concorrência se estenda após a extinção do contrato de trabalho foi admitida, desde que respeitada a boa-fé contratual.
Prosseguindo em sua análise, a juíza convocada advertiu que a condição imposta não pode afetar a liberdade de trabalho, princípio fundamental consagrado na Constituição da República (artigo 1º, IV). "A condição imposta através de um pacto de sigilo e não concorrência para não se revelar as informações confidenciais, mesmo após o término da relação empregatícia, deve ser estabelecida dentro dos parâmetros da razoabilidade e proporcionalidade. Isto porque a regulação de tais pactos não pode ser considerada como restritiva, de forma inconstitucional, a ponto de afetar o princípio fundamental do valor social do trabalho", pontuou. Segundo ela, em casos similares, doutrina e jurisprudência têm considerado essencial para a validade da cláusula de não concorrência que certos requisitos sejam observados. A necessidade de proteger os interesses legítimos da empresa, limitação de tempo, limitação geográfica e compensação financeira são indispensáveis à validade da cláusula que, se não estipulada dentro dos critérios de razoabilidade será nula.
No caso, ficou demonstrado que uma cláusula do contrato impedia a reclamante de atuar no mercado de trabalho, por 3 anos, no ramo de atividade no qual trabalhou por diversos anos. E isto, sem prever qualquer uma contraprestação. Conforme observou a magistrada, uma limitação foi criada à empregada, sem que responsabilidades fossem impostas à empresa. "Viola (a conduta) o equilíbrio contratual, a correlação das avenças e o princípio da comutatividade, pois ela fica em desvantagem tal a ponto de comprometer a mais elementar condição de subsistência própria e de sua família", destacou a relatora, para quem a situação foi agravada pelo fato de a reclamante não ter recebido, ao longo do contrato de trabalho, remuneração compatível com a exigência e limitação pós-contratual. No processo ficou demonstrado que ela recebia cerca de três salários mínimos mensais.
A relatora rejeitou a alegação da ré de que a Justiça do Trabalho não teria competência para a análise da matéria. Segundo ela, o fundamento está na origem no contrato de trabalho, conforme previsto no artigo 114, inciso I, da Constituição. Por fim, considerou sem razão a estipulação de "direito autoral" vitalício, sem limitação temporal. Para a julgadora, isto, inclusive, foge ao aos ditames da Lei de Propriedade Industrial e artigo 5º, XXIX, da Constituição Federal. A multa diária fixada, de R$2.000,00, também foi considerada absurda, por extrapolar em muito o vencimento mensal da então empregada.
Com todas essas considerações, a Turma de julgadores julgou improcedente o recurso da ré.